A Tecelã dos Raios de Sol

Áine (pronuncia-se Oniá ou Oine), cujo nome significa brilho, alegria, esplendor, radiância, glória e deleite, é uma divindade irlandesa arcaica extremamente complexa e multifacetada. Originalmente é uma deusa solar, que representa primariamente a abundância do verão, sendo também associada à lua, à luz, à fertilidade, ao prazer, ao amor, à fartura, à cura, à agricultura, à soberania e ao Povo do Sidhe (de onde vem o título de Rainha das Fadas), onde era conhecida como Lenan Sidhe, a amada do Sidhe.
Áine foi mencionada pela primeira vez em 890-910 no dicionário Sanas Cormaic com explicações em latim da etimologia dos termos irlandeses. Mais tarde, apareceram menções no século XII no livro Táin Bó Cúailnge e no século XV em Cath Finntrágha sobre a relação da Deusa com os cairns e resquícios neolíticos encontrados em duas colinas, perto de Lough Gur, consagradas à ela, onde ainda hoje ocorrem ritos em sua honra.
Em alguns mitos, Áine é filha de Eogabail, dos Tuatha de Danaan, que é filho adotivo de Manannan MacLir, Deus do Mar. Em outros, ela é esposa do próprio Manannan MacLir. Em outros ainda, ela seria filha de Manannan MacLir. Seja qual for sua verdadeira origem, hoje obscurecida pela névoa do tempo, sua ligação direta ou indireta com o Mar é inegável.
Segundo os mitos, Áine tem 2 irmãs e com elas, forma um aspecto de tríplice Deusa. Grianne (ou Grian), sua irmã gêmea, é também uma Deusa Solar, sendo Áine a representação do Sol do Verão (reinando do Solstício de Verão ao Solstício de Inverno ou a metade “clara” do ano) e sua irmã Grianne a representação do Sol Invernal (reinando do Solstício de Inverno ao Solstício de Verão ou a metade “escura” do ano). A outra irmã, chamada Fenne (ou Fan), é uma divindade marinha, ligada ao Outro Mundo e seus mistérios, também considerada uma Rainha das Fadas e uma Deusa da Beleza. Juntas, e levando-se em consideração a percepção moderna de vivência feminina, as 3 são associadas à Lua e seus aspectos sagrados, com a crença popular de que, quando a lua cheia aponta no céu, elas emergem de seus Sidhe, cavalgando juntas para rir e brincar em Lough Gur.
Como Deusa da Soberania, seu culto é bem localizada no sudeste da Irlanda, principalmente na provincia de Munster, nos condados de Limerick (Cnoc Áine ou Knockainy e Lough Gur, também chamado o Lago de Áine, o que lhe concede o titulode Dama do Lago), Derry e Tyrone (onde há fontes dedicadas a ela, chamadas Tobar Aine), Louth (Dun Áine ou Dunany, proximo à pedra Cathair Áine, onde se acredita que sentar-se na pedra nas noites de lua cheia pode conferir inspiração poética a seus devotos merecedores e levar à loucura aqueles que forem punidos pela falta de respeito com os lugares sagrados) e Donegal (outro monte chamado Cnoc Áine ou Knockainy).
Como Deusa Solar, também chamada Ain Cliar, a Luminosa, toma a forma de uma égua vermelha (Lair Derg), “aquela que não pode ser ultrapassada”. Como tal, andava entre seu povo, provendo e ajudando, sempre que necessário. Tradicionalmente, deusas solares são associadas ao amor e à fertilidade e Áine seguia a tradição com entusiasmo. Ela ficou conhecida por ensinar a humanidade sobre o amor e fez isso tanto tomando homens como amantes, quanto ensinando a humanidade a expressar seu amor de forma sagrada. Ela deu à luz muitos filhos de homens mortais, gerando uma suposta raça mestiça de humanos-fada.

Como Deusa Lunar, é associada à agricultura e padroeira das colheitas e do gado. Um mito antigo menciona que num Lughnasadh, Áine sentou-se em sua cadeira de parto e deu à luz um feixe de grãos, concedendo ao povo da Irlanda a dádiva destes alimentos. Como forma de honrar essa dádiva, dedicam-se a ela a sexta, sábado e domingo seguintes ao Lughnasadh, como dias sagrados.
Áine também é notoriamente celebrada no Solstício de Verão, quando até o seculo XIX, os fazendeiros, homens e mulheres acendiam tochas de palha nos marcos e montes sagrados do cume de Knockainy (chamados Mullach an Triuir) girando em seu redor no sentido anti-horario, depois descendo, balançando as tochas. Posteriormente, as cinzas das tochas e fogueiras são coletadas, para espalhar sobre os campos e os animais, na intenção de que Áine e seu fogo sagrado conceda-lhes colheitas fartas e gado sadio, bem como saúde e abundância para suas famílias. Também é frequente que se queime palha, feno e flores secas em honra à Áine, em seus dias sagrados, para garantir um ano livre de doenças e infortúnio.
No Samhain, dizia-se que Áine saía das suas colinas cavalgando um touro vermelho e era reverenciada com fogueiras acesas em todas as colinas sagradas, para atrair saúde e vigor nos dias escuros.
Entre os herbalistas e curandeiros, atribuía-se a Áine a responsabilidade de manter fluindo a centelha vital que acreditava-se percorrer o corpo a cada 24h, mantendo-o vivo. Por isso, em todos os dias dedicados a ela (no pós Lughnasadh e no Solstício de Verão), é mau agouro verter sangue intencionalmente (sangrias e sacrifícios eram proibidos), sob o risco de perder totalmente a saúde e a energia vital do gado e dos enfermos.
Áine também é associada à água e à cura. O sagrado Lago (Lough) Gur, nas noites de lua cheia, também chamadas Noites de Toda Cura (em livre tradução), recebia enfermos de todas as partes, em busca da cura ou do conforto de Áine, quando a cura não era possível. Também as fontes dedicadas a Áine (Tobar Aine) eram locais famosos de peregrinação de enfermos, em busca de cura ou amenização de seus males.
Como todo povo do Sidhe, Áine é gentil, generosa e solícita, sempre disposta a ajudar e abençoar aqueles que a veneram e respeitam. Da mesma forma, ela é rápida em oferecer sua crueldade e vingança sobre todos que a desagradam ou tentem ferir.

Uma entre tantas lendas, conta que Aine estava sentada nas margens do lago (Lough) Gur, penteando seus longos cabelos dourados, quando Gerold, o Conde de Desmond, a viu e sentindo-se fortemente atraído por ela, roubou-lhe o manto dourado e só o devolveu, quando ela concordou em casar-se com ele. Desta união nasceu Geroid Iarla ou Earl Gerald, denominado “O Mago”. Após o nascimento do menino, Aine impôs ao Conde Desmond, um tabu que o impedia expressar surpresa a qualquer coisa que o filho fizesse, sob a pena de desobrigá-la a manter seu casamentocom ele. Entretanto, ele quebrou tal tabu, exclamando alto quando viu o filho entrando e saindo de um frasco, fato que desfez o encanto e Áine recuperou sua liberdade. Ela então dirigiu-se para a colina de Knockaine, transformando-se em um cisne. Dizem que é lá que ela ainda reside em seu castelo encantado, cercada por Fadas. Em outra versão, ela se recolheu na ilha Garrod no lago (Lough) Gur e Gerald depois transformou-se em um ganso selvagem que voou alto, encontrando repouso no castelo da mãe.
Outra lenda descreve como Gerald vivia abaixo das águas do lago, de onde saía a cada sete anos, cavalgando ao redor do lago até gastar as ferraduras de prata do seu cavalo, dia em que ele voltará para expulsar estrangeiros e malfeitores da Irlanda. Dizia-se também que de sete em sete anos ele emergia das águas como um fantasma montado em um cavalo branco. O lago sumia dentro da terra, aparecendo no seu lugar uma árvore sobrenatural, coberta com tecidos verdes e guardada por uma anciã, que tinha o poder de elevar as águas do lago se a árvore corresse perigo.
Em outra lenda, o rei Ailill matou Egbal, o pai de Aine e a violentou, mas ela relutou e arrancou sua orelha, o que lhe ocasionou o apelido de Ailill-sem-orelha e fez com que ele perdesse poder e prestígio, uma vez que o costume local da época ditava que os reis precisavam de corpos íntegros e sem defeitos, para reinar. Não satisfeita, Áine jurou se vingar e após um tempo, Ailill foi morto por ela com uma poderosa magia. Seu filho Egan – que nasceu após ela ser violentada por Aillil – tornou-se rei de Munster e fundador de uma famosa dinastia. Muitas famílias de Munster com o sobrenome de O’Corra ainda acreditam que são descendentes de Áine, por eles venerada como a melhor e mais bondosa Deusa.

Muitas são as histórias a respeito de Áine e seus amantes mortais, nem todas alegres ou consensuais, como modtram os exemplos citados. Nestes casos, frequentemente ela mostra um lado astucioso, vingativo e cruel. Apesar e por causa de seus infortúnios, o fato é que sua popularidade entre as mulheres do mundo celta gaélico sempre foi, supostamente, bastante alta. Nenhuma mulher, não importa a época em que vive, está livre dos mesmos sofrimentos e a identificação com suas respostas às injúrias é quase sempre unânime. O que faz dela símbolo e inspiração de sentimentos de sororidade e soberania própria, tão modernos e atuais quanto necessários, em qualquer tempo.
No universo feminino, Áine é a protetora das grávidas e nutrizes, bem como a vingadora das mulheres estupradas e injustiçadas.
Apesar do sofrimento, Áine traz às mulheres a dádiva da resiliência, a sensação da leveza dos dias de verão, a esperança por dias melhores e a coragem de ser autêntica, fiel a si mesma e a sobreviver até a próxima batalha, para obter suas vitórias.
Vanessa Yekkawedā, Ordem Druídica Ramo de Carvalho
Referências:
Ellis, Peter Berresford, Dictionary of Celtic Mythology (Oxford Paperback Reference), Oxford University Press, (1994)
Aine, Irish Goddess of Love and Faerie Queen:
http://www.angelfire.com/journal/ofapoet/aine.html
Aine:
http://www.shee-eire.com/magic&mythology/fairylore/Queens/Aine/Page1.htm
Aine, Summer Goddess of Love, Light and Fertility by Judith Shaw:
https://feminismandreligion.com/2013/07/31/aine-summer-goddess-of-love-light-and-fertility-by-judith-shaw/
Áine, Rainha das Fadas, Senhora da Fertilidade e do Amor:
The Yew of the Disputing Sons: http://www.shee-eire.com/magic&mythology/Myths/Tuatha-De-Danann/YewofdisputingSons/yds.htm
The Hard Servant: http://www.shee-eire.com/magic&mythology/Myths/FinnMacCool/The-Hard-Servant/hardservant.htm
