Nos contos de Hanes Taliesin, Cerridwen é reverenciada como a Senhora do Caldeirão — onde são depositadas as sementes da poesia, Ogyrwen. É a Deusa galesa da transformação, associada à magia, à fertilidade e à inspiração sagrada, a Awen. O seu caldeirão é uma analogia ao Graal: capaz de curar os enfermos, reviver os mortos e sanar todos os males. Cerridwen é considerada a guardiã dos mistérios da vida, da morte e do renascimento.
A “Cadeira de Cerridwen” (Cadair Ceridwen), atribuída ao Livro de Taliesin XVI, é um poema do manuscrito medieval da tradição bardica galesa. Nele, Cerridwen manifesta-se como a Senhora da Sabedoria e do Caldeirão, assentado sob suas leis.
O bardo Taliesin, companheiro de Myrddin — aquele que mais tarde inspiraria a figura do mago Merlin da corte do rei Arthur —, aparece no mito como Gwion Bach. Ele renasceu de Cerridwen e tornou-se o mais sábio dos druidas, após provar três gotas da poção que Ela preparava no Caldeirão da Inspiração. Assim se inicia a fuga mágica e uma série de transformações.
Cerridwen vivia com seu marido, Tegid Foel e tiveram dois filhos: a bela Creirwy e Morfran, também chamado Afagddu. Desejando compensar a feiura do filho, Cerridwen decidiu preparar uma poção sagrada, capaz de conceder-lhe o dom do conhecimento absoluto e da inspiração divina — a Awen.
A poção exigia ser fervida durante um ano e um dia. Para isso, Cerridwen encarregou Morda, um servo cego, de manter o fogo aceso sob o caldeirão, enquanto Gwion Bach, um jovem aprendiz era responsável por mexer a mistura encantada. Somente as três primeiras gotas confeririam sabedoria; o restante do líquido seria um veneno letal.
Quando a poção finalmente atingiu seu ponto ideal, três gotas ferventes saltaram da mistura e queimaram o dedo de Gwion. Instintivamente, ele levou o dedo à boca e, naquele instante, toda a sabedoria o atravessou. Então, soube que Cerridwen o caçaria impiedosamente.
A perseguição tomou forma através da metamorfose. Ele tornou-se lebre, e Ela o perseguiu como cão. Ele virou peixe, e Ela uma lontra. Ele voou como pássaro, e Ela o seguiu como falcão. Por fim, transformou-se em grão de trigo, e Cerridwen virou uma galinha preta, e engoliu-o. Ao fazê-lo, concebeu-o em seu ventre.
Gwion renasceu pelo corpo da Deusa. Cerridwen, incapaz de matá-lo, colocou o recém-nascido numa bolsa de couro e lançou-o ao mar. A criança foi encontrada em uma armadilha de pesca por Elphin, filho de Gwyddno, que a acolheu como se fosse seu. Em retribuição, Taliesin libertou Elphin da prisão injusta imposta por Maelgwn, presenteando-o com um caldeirão de ouro.
Taliesin tornou-se o mais inspirado dos bardos galeses — vidente, profeta e poeta —, conhecido com este nome por causa de sua “testa brilhante”. Que assim seja!
Em reverência a Deusa da Transformação, que consagrou a minha inspiração poética nesta caminhada druídica, trago uma adaptação do poema galês: “Cadair Ceridwen.”
O Trono de Cerridwen
Soberano do Ar, ouve a canção da Senhora,
Quando o mundo ainda dormia nos ossos da Terra.
Do tempo não contado, da meia-noite às manhãs,
Antes que o nome Taliesin fosse dado à sabedoria,
Havia o instante sagrado do Trono de Cerridwen.
Profundo e ardente era o seu Caldeirão.
No silêncio das montanhas consagradas,
Ela fervia os mistérios por um ano e um dia.
Nenhum homem jamais compreendeu suas leis.
Dela nasceu a visão.
Dela nasceu o poder.
Dela nasceu a poesia.
Cerridwen, Senhora dos Três Caldeirões do Ser,
Eu me assento junto ao teu Trono,
Não como serva, mas como a que renasceu,
Que atravessou abismo, sombra e imperfeição.
E quem sorve da poção de Cerridwen,
Nunca mais retorna como chegou.
Aquele que se assenta aos teus pés
É digno da Trindade do teu caldeirão.
Por Rowena Ferch Aranrot
Druidesa do Caer Fidneméd an Síd.
