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Arte e Transcendência: A Espiritualidade como Conector de Afetos

Através da arte, a espiritualidade ressoa de forma íntima e coletiva, sempre a partir de conceitos capazes de criar conexões profundas com nossas origens, seja na natureza ou na busca pelo autoconhecimento.

A conexão entre arte e transcendência se revela em duas visões que se inter-relacionam: a arte estabelece um movimento em direção a algo que a supera e provoca a aspiração de se elevar. Dessa forma, a arte não apenas ultrapassa limites, mas também é superada por si mesma.

O conceito de transcendência possui uma multiplicidade de significados que, à primeira vista, parecem contraditórios. De um lado, há a aspiração do ser humano de ir além de suas limitações e do mundo ao seu redor em busca de um propósito ou destino que o ultrapasse. Por outro lado, existe a percepção, por parte do indivíduo, de uma verdade ou significado que se encontra fora dele, levando-o, assim, a transcender a si mesmo.

Os símbolos se expressam na cultura através da mitologia, dos contos de fadas, das religiões, da história, da alquimia, do folclore e da arte. Através da Arte, o indivíduo abre espaços para a transformação cultural, impulsionando mudanças, criação, inovação e revolução.

A criação artística surge da necessidade humana. Nietzsche disse que a existência implica um incessante ato de criação e recriação, desprovido de qualquer teologia pré-estabelecida. É exatamente por essa característica que a arte revela claramente a essência da vida: um ciclo ininterrupto de criação e recriação, sem qualquer propósito além de sua própria existência. 

Como Picasso destacou, “A arte serve para impedir que a realidade nos aniquile.” A arte nos convida ao recolhimento e à introspecção.

O filósofo católico francês Jacques Maritain escreveu em uma carta de 1923 ao ateu Jean Cocteau: “Na ordem natural existe uma inspiração especial acima da deliberação da razão, e que, como notava Aristóteles, procede de Deus presente em nós: é a inspiração do poeta, e por isso ele é um homem divino. Como o santo? Não. Como o heroi. (…) As palavras, os ritmos, são para ele a matéria com a qual cria um objeto para a alegria do espírito, e nas quais brilham alguns reflexos da grande noite estrelada do ser”.

Poesia, partitura harmoniosa de palavras, polifonia de sons e cores que nos elevam, permitindo-nos voar, transcender. Mas seria possível aprisionar Deus nas palavras, nos versos poéticos? Seria como a criança encontrada por Santo Agostinho na praia, tentando esvaziar o mar com uma concha: é possível conter a vastidão em algo tão limitado? O Mistério, portanto, é expresso em sinais e letras? Sublime dilema, aparente contradição. Arduini descreve bem essa tensão ao introduzir o “Cântico espiritual” de João da Cruz: “A linguagem mística vive a grande contradição devida ao seu objeto que é em si indizível”.

Baudelaire escreveu: «É por meio e através da poesia, por meio e através da música, que a alma entrevê os esplendores que estão para além do túmulo». São João da Cruz, com seus versos, alcança o além-túmulo, ultrapassando as fronteiras das palavras. No fundo, uma palavra, um verso, já são um limite. Mas ele, através deles, atinge o Ilimitado: Deus.

O Bardo representa um pilar de consistência em momentos de incerteza, lembrando-nos da nossa identidade e de nossas origens. Ao manter viva a memória do grupo e narrá-la por meio de contos, ele nos liga novamente às nossas fundações e assegura a continuidade de nossas tradições. Assim, o bardo ou a bardisa promovem o florescimento das capacidades de cada um, nos motivando a revelar nossa individualidade e a contribuir com a história de nossos antepassados, a qual continuamos a escrever. A função do bardo é fomentar um trajeto de aprofundamento e enriquecimento nas relações, expressando a consciência pessoal e buscando manifestar as singularidades do universo por meio da Arte.

A criação artística é uma ação inerente ao ser humano que, por meio de expressões estéticas, comunica sensações, sentimentos e conceitos, visando provocar uma reflexão sobre a nossa própria consciência.

O objetivo é justamente provocar a reflexão sobre quem somos e estimular nossa expressão individual através da observação. A criatividade do bardo emana da capacidade de escutar o mundo ao seu redor. Para acessar a inspiração, o artista precisa refinar sua capacidade de observar com atenção, abrindo-se a novas ideias para receber a energia divina que anima a alma: a Awen.

O artista está sempre alerta para captar novas formas de expressões desconhecidas, entrando em contato com outros universos além do seu e percebendo a interconexão de nossas emoções, apesar das diferenças. 

Ao desenvolver suas habilidades para expressar e transmitir seus próprios sentimentos e sua essência ao mundo, ele manifesta o dom supremo da natureza: o poder de criar algo novo. 

Espiritualizar a Arte é buscar a plenitude e a harmonia nas relações ao compreender o mundo ao nosso redor, recordando a história de nossos ancestrais para criar nosso próprio legado para o futuro através da compreensão de nossas próprias emoções. 

“Até que ponto você sabe ouvir com atenção? 

O bardo consegue tocar com os dedos, pés ou olhos, e ouvir. 

O que ouve ao caminhar tocando a Terra com seus passos? 

O que ouve, com seus dedos, nas paredes de sua casa, numa concha do mar ou numa pedra? O que ouve ao olhar para o ambiente à sua volta?” 

(Emma Restall Orr, Princípios do Druidismo).

 

Alyne Atanoklerkä

Druidesa Ordem Druídica Ramo de Carvalho

Coodenadora Conselho de Comunicação e Articulação – CCA