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Dea Matrona

Em diversas tradições religiosas e mitológicas da Antiguidade, especialmente nas culturas celta e romana, as Matronae (ou Matres) são divindades femininas associadas à fertilidade, à abundância, à proteção doméstica e à prosperidade. Frequentemente representadas em grupos de três, essas deusas eram veneradas tanto em espaços públicos quanto em altares domésticos, especialmente nas regiões da Gália, Germânia e Britânia romanizadas. Sua iconografia típica mostra mulheres sentadas ou em pé, portando cestos de frutos, crianças ou símbolos da fecundidade e do bem-estar familiar. A devoção às Matronae reflete um culto popular e sincrético, que unia elementos indígenas locais a práticas religiosas do mundo romano.

Dea Matrona

Na tradição celta da Gália, Dea Matrona era a deusa tutelar do rio Marne (Matrona), sendo amplamente associada à maternidade, à fertilidade e à abundância. Seu nome, do gaulês Mātronā, pode ser traduzido como “Grande Mãe” ou “Mãe Venerável”, refletindo sua condição de deusa-mãe. A identificação do rio com essa divindade expressa o vínculo sagrado entre as águas e a nutrição da vida. Diversas representações religiosas de origem gaulesa — incluindo estatuetas de terracota de produção acessível, destinadas ao uso doméstico — retratam figuras femininas amamentando crianças, ou segurando frutas, pães, outros alimentos e, por vezes, pequenos cães sobre o colo, símbolos todos associados à proteção, à fartura e ao cuidado materno.

Escultura em pedra da deusa Matrona Marne na Gália.

A deusa Modron, na mitologia galesa, é uma figura materna associada à fertilidade, à soberania e à terra. Seu nome deriva do latim Matrona, indicando uma possível continuidade ou transformação da antiga deusa gaulesa Dea Matrona no contexto britônico. 

Modron é descrita como filha de Avalloc (ou Afallach), o rei da mítica ilha de Avalon, e mãe de Mabon ap Modron, cujo nome significa “Filho da Mãe Divina”. Embora a identificação direta entre Modron e a Dea Matrona não seja comprovada nas fontes medievais, estudiosos modernos apontam para uma relação mitológica e etimológica plausível entre ambas, sugerindo que Modron preserva traços do arquétipo da deusa-mãe venerada nas províncias célticas romanizadas.

Danu, por sua vez, é uma deusa da tradição irlandesa, reverenciada como a Grande Mãe das Tuatha Dé Danann (“o povo da deusa Danu”), divindades ligadas à natureza, à magia e ao conhecimento ancestral. Embora pouco se diga sobre ela nos textos mitológicos preservados, seu nome indica um profundo vínculo com as águas e a fertilidade. Em alguns contextos modernos, Danu é considerada uma equivalente funcional à Dea Matrona, como personificação da Terra e fonte de abundância, mas essa associação é simbólica e não baseada em identificação direta nas fontes clássicas. Em certas reconstruções neopagãs, ela é também apresentada como consorte de Beli (ou Belinus), deus solar ou da luz, embora essa união não esteja claramente atestada nas narrativas irlandesas mais antigas.

Matres e Matronae

As Matres e Matronae eram divindades femininas veneradas no noroeste da Europa durante o período romano, especialmente entre os séculos I e V EC. Seu culto se espalhou por regiões da Gália, Germânia Inferior e Superior, norte da Itália, sul da Britânia e partes da Península Ibérica, geralmente em áreas sob forte presença militar romana. Arqueólogos encontraram numerosos altares, estatuetas de terracota e inscrições dedicadas a essas deusas, evidenciando sua ampla popularidade.

As Matronae (termo mais frequente na Germânia) e as Matres (mais comuns na Gália e Britânia) são frequentemente representadas em tríades, sentadas ou em pé, muitas vezes segurando frutas, pães, crianças ou símbolos da fertilidade e da abundância. As inscrições votivas revelam uma diversidade de epítetos, indicando sua associação a tribos ou localidades específicas. Aproximadamente metade dos nomes registrados tem origem celta, enquanto a outra metade possui raízes germânicas, o que sugere uma fusão cultual entre as tradições locais e a religiosidade romana.

Relevo de terracota de Matres, de Bibracte, cidade dos éduos na Gália

A representação de divindades femininas em tríades é uma prática recorrente em diversas tradições culturais, como nas Parcae da Roma Antiga, nas Nornir da mitologia nórdica e em outras manifestações associadas à maternidade, ao destino e à proteção. As Matronae (ou Matres), frequentemente adoradas em grupos de três, seguem esse padrão simbólico da trindade feminina — refletindo aspectos como juventude, maturidade e ancianidade, ou fertilidade, abundância e proteção.

Essas divindades eram cultuadas em santuários, frequentemente construídos com infraestrutura romana, incluindo templos e, por vezes, banhos (thermae), o que indica sua importância tanto na vida doméstica quanto na esfera pública e comunitária. Elas eram veneradas como guardiãs da família, da fertilidade da terra e da coesão social, ocupando um papel central nos cultos locais sincretizados com a religiosidade romana.

As principais evidências arqueológicas do culto às Matres e Matronae consistem em estelas votivas, relevos e inscrições dedicatórias — mais de 1.100 exemplares já foram identificados, especialmente na região da Renânia, na Germânia Inferior e Superior, e na Gália Bélgica. Nesses registros, são frequentemente retratadas com crianças, cestos de frutas, pães ou cães, simbolizando nutrição, abundância e cuidado.

Na tradição germânica posterior, essas divindades foram associadas a figuras como as dísir, as valquírias e as nornir, cujas funções mitológicas — especialmente no que se refere à proteção dos clãs e ao controle do destino — apresentam afinidades com os atributos das Matronae. Embora os registros dessas figuras só tenham sido sistematizados em textos do século XIII, como as “Eddas”, acredita-se que preservem elementos de crenças anteriores à cristianização.

Além das regiões germânicas e da Gália oriental, inscrições dedicadas às Matres também foram encontradas em áreas mais ocidentais, como na Gália meridional (por exemplo, em Bibracte), e na Península Ibérica, incluindo cerca de vinte registros em território das atuais Espanha e Portugal. Algumas dessas inscrições fazem referência a epítetos locais, como as chamadas “Mães da Galécia” (Matribus Gallaicis). Já na Panônia, em contexto de sincretismo romano-celta, destacam-se relevos dedicados às Nutrices Augustae (“Veneráveis Amas-de-Leite”), divindades que talvez compartilhem função e simbologia com as Matres, sendo cultuadas em sítios militares e civis do império. Embora não sejam exatamente equivalentes às Matronae,  compartilham aspectos simbólicos e funcionais, sugerindo uma continuidade e adaptação do arquétipo da deusa-mãe dentro da religiosidade romana provincial.

A representação de figuras femininas em grupos de três é um traço recorrente em diversas tradições religiosas e mitológicas, como exemplificam as Parcae da Roma Antiga e as Nornir da mitologia nórdica. Essa estrutura simbólica também aparece com frequência em divindades maternas, expressando ideias de ciclo vital, destino e fertilidade.

Altar das Matronas Aufânias (Museu Regional Renano de Bona)

As Matres e Matronae são representadas tanto em estelas votivas com inscrições quanto em peças sem texto, incluindo altares e outros objetos devocionais. Essas representações são geralmente frontais e compostas por grupos de três figuras femininas, frequentemente associadas a elementos naturais como árvores frutíferas. Uma característica recorrente é a presença de pelo menos uma das mulheres segurando um cesto de frutas no colo — símbolo de fertilidade, abundância e nutrição. As figuras podem estar em pé ou sentadas em cadeiras de estilo romano.

Em algumas composições, observa-se uma diferenciação visual entre as personagens: a figura central pode ser retratada com os cabelos soltos e adornada com uma bandana ou fita, enquanto as figuras laterais frequentemente usam toucas ou véus. Essa distinção pode sugerir hierarquia simbólica ou diversidade de funções entre as três.

Além das figuras centrais, os relevos muitas vezes incluem cenas associadas ao culto: sacrifícios de animais (como porcos), queimadores de incenso (thuribula), tigelas repletas de frutas, e guirlandas vegetais. Outros elementos simbólicos incluem serpentes, crianças e objetos associados ao cuidado infantil, como fraldas ou panos, reforçando o vínculo dessas divindades com a proteção da vida, da família e da fertilidade.

Esses altares e estelas raramente estão isolados: em geral, são encontrados em conjuntos organizados em torno de templos, santuários ou espaços de culto ao ar livre. Essa disposição sugere que o culto às Matronae não era apenas doméstico ou privado, mas inserido em um contexto comunitário mais amplo, possivelmente associado a festivais, oferendas públicas e práticas devocionais periódicas.

 

Referência

Lindow, John (2001). Norse Mythology: A Guide to the Gods, Heroes, Rituals, and Beliefs (em inglês).: Oxford University Press. ISBN 0-19-515382-0Simek, Rudolf (2007). Dictionary of Northern Mythology (em inglês). Woodbridge: D.S. Garman, Alex Gustav (2008). The cult of the Matronae in the Roman Rhineland: an historical evaluation of the archaeological evidence (em inglês). Lewiston, Nova Iorque: Edwin Mellen Press

 

Fah Kredriwidâ

Feiticeira Druidica Ordem Druidica Ramo de Carvaho

Editora da CCA e Ouvidora do CBDRC